ENSINO MÉDIO

DIRETRIZES PARA O ENSINO MÉDIO

 As novas diretrizes curriculares para o ensino médio

Em primeiro lugar, as novas diretrizes consideram a questão da identidade e da diversidade. Nossa proposta é que o ensino médio supere a dualidade profissional ou acadêmica e adquira uma diversidade que pode ser mais voltada para o trabalho ou mais acadêmica, dependendo da clientela. Demos uma interpretação própria para o mandato da LDB de que o currículo deve ter uma base nacional comum e uma parte diversificada, esta última de acordo com as exigências da clientela. Consideramos que a base nacional comum também tem de estar de acordo com as exigências da clientela. Um currículo não pode dividir-se em base nacional comum e parte diversificada; ele é um todo orgânico e vivo pois está em permanente ajuste e mutação.
Destacamos intensamente a preparação básica para o trabalho, que tem de estar presente na educação básica, de modo a possibilitar escolas com vocações inteiramente diferentes. Há escolas com mais vocação para a área biológica, outras para a linguagem ou para ciências exatas e para as ciências sociais. O currículo vai se organizar em três grandes áreas de conhecimento, correspondendo exatamente àquelas tradicionais:
  • a área das linguagens, seus códigos de apoio e suas tecnologias
  • a área das ciências da natureza e suas tecnologias
  • a área das ciências humanas e sociais e suas tecnologias.
Afirmar que o currículo será organizado por área de conhecimento não significa eliminar as disciplinas, mas colocá-las em um permanente diálogo conforme as afinidades entre elas e delas com os problemas da realidade que se quer que os alunos compreendam e interpretem para propor soluções.
Nestas áreas não são descritos conteúdos, mas competências pessoais, intelectuais e sociais que os alunos deverão adquirir durante o percurso pelo ensino médio. Não se fixa nenhuma proporção em que as áreas deverão estar presentes nos currículos. Diz-se apenas que as três áreas deverão estar representadas, mas não se diz nem em que proporção. E, sobretudo, não se menciona nenhuma disciplina ou conteúdo específico em cada área.
Na área de ciências humanas, por exemplo, é possível haver estudos de direito como é possível haver estudos de sociologia ou de antropologia, ou de história e geografia. Da mesma forma, na área das ciências humanas cabem estudos relativos à gestão, à administração e a outros instrumentos da área, porque são as ciências humanas e suas tecnologias. Na física e na área de ciências da natureza, localizam-se os estudos relativos à física, à química e à biologia e seus desdobramentos de aplicação ou tecnologias. E na área das linguagens encontram-se todas as disciplinas relativas às linguagens, que vão da educação física à língua portuguesa.
Procuramos traçar dois princípios com o objetivo de facilitar às escolas o trabalho de organização de seus currículos. O primeiro é o princípio da interdisciplinaridade, partindo da noção de que as disciplinas escolares são recortes arbitrários do conhecimento. Esperamos que comece nas escolas um exercício de solidariedade didática entre as disciplinas. Dizemos solidariedade didática porque solidariedade implica boa-vontade. E talvez o primeiro passo para a interdisciplinaridade seja a boa-vontade, a idéia de desarmar resistências em relação aos feudos disciplinares.
Obviamente, a interdisciplinaridade pode ser muito mais que uma solidariedade didática. Quanto mais a pessoa se aprofunda na sua disciplina, mais percebe as conexões dessa disciplina (como objeto e como método) com outras áreas de conhecimento. Não se pretende formar pessoas «desespecializadas» —interdisciplinaridade não significa isso. Ao contrário, implica domínio para perceber a conexão. E aí a interdisciplinaridade pode dar-se em níveis muito mais sofisticados. Isso vai depender, naturalmente, de cada escola.
Nada melhor para promover a interdisciplinaridade do que um projeto de estudo e um projeto de trabalho. E estranho, sobretudo em escolas públicas, mas também em escolas privadas, que o projeto seja considerado uma atividade extracurricular, quando deveria ser parte integrante do currículo. Projeto é uma forma interessante de integrar disciplinas, porque significa resolver um problema real ou estudá-lo. Um projeto de reciclagem do lixo escolar, por exemplo, é interdisciplinar por sua própria natureza. Em torno dele articulam-se conhecimentos de política, de sociologia, de psicologia, de geologia, de geografia, de história, de biologia, de química e de física.
O segundo princípio vem da educação profissional. Em inglês é conhecido como aprendizagem situada. Em português é chamado de contextualização do conteúdo. A contextualização tem a ver com a motivação, conceito fartamente explorado em pedagogia. Motivar o aluno depende de fazê-lo entender, dar sentido àquilo que aprende. Quando um professor ensina física, química ou história a um aluno, está transferindo a ele conhecimentos gerados em outro âmbito que, quando foram produzidos, com certeza despertaram um encantamento muito difícil de repetir para o aluno. É quase impossível, quando se ensina ou se faz a transposição didática desse conhecimento, despertar na sala de aula o mesmo encantamento de quem fez a descoberta original.
Por essa razão, na transposição didática o processo de invenção precisa ser reproduzido quase artificialmente para que o aluno possa aprender significativamente. Um dos recursos para fazer isso é a contextualização: relacionar o que está sendo ensinado com sua experiência imediata ou cotidiana. Assim, o aluno poderá perceber que o ruído de pneu e a freada do carro têm a ver com aquela fórmula sobre atrito, explicada em aula pelo professor de física. E o aluno fará a ponte entre a teoria e a prática, como manda a LDB. Um dos contextos importantes para fazer isso é o da produção de bens e serviços, isto é, o contexto do trabalho.
Mas não é o único. O novo aluno do ensino médio precisa, por exemplo, determinar a sua sexualidade e como exercê-la de maneira segura. Ou precisa, também, decidir se faz dieta ou não e como cuida da sua saúde; se fuma ou não; se usa droga. Quer saber como conviver com a família, como lidar com a questão de já estar avançado em relação ao nível escolar de seu pai ou de sua mãe. Deve decidir como buscar seu parceiro ou sua parceira.
Problemas desse tipo, concretamente enfrentados pelos jovens, desenham contextos que dependem das características e exigências da clientela. É na contextualização que se ausculta, portanto, como trabalhar os conteúdos de modo a que o aluno dê aos mesmos um sentido prático. É claro que há grandes diferenças nos contextos cujos conteúdos devem ser trabalhados numa escola particular, de classe média alta, e numa escola noturna, de bairro da periferia.